Laboratório de antropologia e bioantropologia forense ganha destaque na mídia por seu pioneirismo em MS
Dar uma resposta para uma família, à justiça e à história de vida de uma pessoa quando dos restos mortais sobram apenas ossos. Como identificar um esqueleto encontrado em uma vala clandestina? Ou que morreu nas mãos da Ditadura Militar e foi enterrado em uma cova com vários outros?
A antropologia forense trabalha para responder a essas questões e Mato Grosso do Sul conta com o primeiro laboratório voltado para o tema, o Labfor (Laboratório de Bioantropologia e Antropologia Forense) da UFMS (Universidade Federal Mato Grosso do Sul) para formar profissionais na área e “desconstruir” mitos e desconfortos com a morte.
Alunos de graduação e pós-graduação em ciências sociais, antropologia, biologia, química, odontologia e medicina estudam o tema, de acordo com o escopo de formação, no laboratório comandado pela professora pós-doutora em direito e especialista em antropologia física e forense, Priscila Lini.
A docente explica que a antropologia pode ajudar na perícia forense a partir da recuperação da identidade para determinar as características de uma pessoa – sexo/gênero, idade, estatura e ancestralidade predominante (ou afinidade populacional).
Esta ciência pode ser usada em contextos de desaparecimentos forçados, óbitos não esclarecidos, e situações que a identificação visual e datiloscópica não é mais possível.

Bioantropologia ajuda no reconhecimento de desaparecidos. (Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)
“A Antropologia Forense oferece subsídios para que aqueles remanescentes sejam restituídos àqueles que os buscam (parentes, amigos, órgãos humanitários e de segurança) para que sejam sepultados de forma digna, respeitando a memória do falecido e a elucidação de crimes individuais ou coletivos”, explica.
O Brasil não possui curso superior específico em Antropologia Forense. Na maioria dos casos, os acadêmicos e peritos são de formações variadas, que conjugam conhecimentos na área da saúde, direito, antropologia ou biologia, complementando com formações auxiliares.
Lini explica que há e médicos e odontólogos que fazem especializações na área legal (médicos legistas e odontolegistas), de juristas que fazem uma segunda graduação em áreas de perícia forense, biólogos que buscam complementaridade na criminalística.
No grupo de pesquisa do Labfor participam dois alunos de odontologia que são indígenas que querem retornar o conhecimento para as comunidades.
“É muita violência aqui no Estado nas retomadas. É um negócio que para nós vem sendo muito bem recebido, é uma grata surpresa quanto o pessoal tem se interessado”, comemora.
Antropologia forense não é igual a CSI
A identificação de um corpo envolve vários processos e engana-se quem pensa que seja parecido como nos seriados de televisão como CSI: Investigação Criminal.
Antes de fazer testes de DNA, o primeiro passo é tentar descobrir quem foi aquela pessoa em vida dentro de quatro eixos:
- Sexo (incluindo debates de gênero, visto que pessoas trans são vítimas frequentes de violência);
- Idade;
- Estatura;
- Ancestralidade.
Uma das explicações para isso é a restrição de recursos e de pessoal por parte da polícia civil e polícia científica. Assim, é preciso reduzir ao máximo o universo de possibilidades até que três ou quatro famílias venham a ser confrontadas na análise genética.
“E, às vezes, a gente também recorre à antropologia pura mesmo. Fazer relações de parentesco, árvore genealógica para tentar encontrar respostas também no indireto. O DNA dá muitas vezes uma resposta, mas tem que ser conjugada com outra. Saber qual amostra, de onde veio. Às vezes em uma vala clandestina colocam vários corpos juntos e aí saber o que é de quem, separar, fazer a remontagem de reposição anatômica. Tudo isso é uma atividade que a gente precisa capacitar pessoas porque é uma realidade que é uma demanda que vem acontecendo”, afirma a doutora em direito.
Sem medo dos mortos

Professora da UFMS e coordenadora do Labfor, Priscila Lini. (Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)
O Labfor é um laboratório que conta com diversos materiais que ajudam os estudantes a aprender sobre a antropologia forense e um dos que chamam a atenção é um esqueleto humano, obtido por meio de um programa de doação de corpos.
Linni explica que a antropologia forense lida pouco com tecidos moles e mais com ossos porque, na maioria dos casos, quando ainda há tecidos moles, o trabalho fica a cargo de legistas.
Outro aspecto importante destacado pelo docente é “desmistificar” o tabu relacionado à morte. Muitas pessoas, inclusive da academia, são resistentes sobre a antropologia forense e bioantropologia e questionam se o trabalho seria ético.
Contudo, Linni exemplifica que muitos pensam que a medicina se tornou invencível e, quando há uma morte, parece que há uma sensação de falha como humanidade. Só que por outro ângulo, a morte precisa ser vista como algo natural e o que podemos fazer com os recursos atuais é, no máximo, abreviá-la.
“Tem que ter uma certa cautela também no abordar para não ficar naquela coisa do bizarro. A gente sabe o que é [o Labfor] e é um ambiente de pesquisas, com treinamentos, medidas, é justamente isso. E essa experiência que a gente quer proporcionar para os nossos alunos, sejam eles de biológicas ou de humanas”, ela explica.
Leia a matéria completa no link: https://midiamax.uol.com.br/cotidiano/2023/sem-medo-dos-mortos-laboratorio-forense-em-ms-ensina-a-identificar-desaparecidos/
Texto por Thalya Godoy e Monique Faria – MIDIAMAX